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Café pelo mundo: Etiópia, onde o café é o coração da cultura

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Falar de café na Etiópia é embarcar em uma viagem ao berço da bebida mais amada do mundo. Diferente de muitos países produtores, onde o café foi introduzido como commodity, na Etiópia ele nasceu e cresceu de forma selvagem, integrando-se à cultura, à economia e à alma do povo. Aqui, o café não é apenas uma bebida — é um modo de vida.

A terra onde o café nasceu

A Etiópia é considerada o berço do café arábica. Segundo a tradição, as florestas da região de Kaffa abrigavam as primeiras árvores de café muito antes da humanidade descobrir seu potencial. Estima-se que mais de 12 milhões de etíopes dependem diretamente da cafeicultura, responsável por dois terços da receita nacional.

Mas, mais do que um produto de exportação, o café está presente em cada aspecto da vida cotidiana: nas conversas, nos provérbios, nos rituais e até na política. Um antigo ditado resume bem: “Buna dabo naw” — o café é o nosso pão.

mapa da Etiópia impresso com uma alfinete vermelho nele demarcando território

O cultivo do café: um jardim em casa

Embora existam grandes plantações comerciais, a maior parte do café etíope é cultivada por famílias, em pequenos lotes próximos às casas – quase como um jardim. O país produz cerca de 6,5 milhões de sacas por ano, e metade dessa produção é consumida internamente.


Os grãos etíopes estão entre os mais variados do mundo, com sabores que refletem as diferentes regiões onde são cultivados. Entre as variedades mais conhecidas lá estão os cafés de Yirgacheffe, Sidamo e Harrar, cada um com características únicas.

  • Yirgacheffe é considerado um dos melhores cafés do mundo, com um processamento úmido que acentua sua complexidade.
  • Sidamo é uma versão mais acessível, mas que mantém um excelente equilíbrio entre qualidade e preço.
  • Harrar, por sua vez, é processado a seco, oferecendo notas mais rústicas e uma personalidade marcante.

Uma tradição viva: a cerimônia do café

Se há algo que simboliza a importância do café na Etiópia, é sua cerimônia tradicional. 

Realizada pelo menos três vezes ao dia, a cerimônia é mais comumente conduzida pela mulher da casa, que se utiliza de seu vestido branco com bordas de tecido colorido. São, ao mínimo, três rodadas de café, cada uma com seu significado. Ao visitar a Etiópia se convidado para um café, não deixe de apreciar o sagrado ritual.

em uma peça de dentro de casa, todos os equipamentos usados para o ritual do café, incensos, chaleiras, xícaras especiais

Aceitar um convite para participar dessa cerimônia é um privilégio, uma experiência que remonta há tempos em que o valor estava nas relações humanas e no compartilhamento, e não na pressa do dia a dia moderno.

Assista aqui um vídeo da Cerimônia do Café:

A lenda de Kaldi: o pastor, as cabras e o nascimento do café

A origem do café é envolta em mistérios e lendas, e nenhuma é tão famosa quanto a de Kaldi, um jovem pastor de cabras da região de Kaffa, na antiga Abissínia — atual Etiópia. Conta-se que, por volta do século IX, Kaldi percebeu algo curioso em seu rebanho. Suas cabras, após mastigarem os frutos vermelhos de um arbusto desconhecido, começaram a agir de forma incomum: saltitantes, agitadas e cheias de energia, como se tivessem descoberto uma fonte secreta de vitalidade.

Movido pela curiosidade, Kaldi também provou as cerejas vermelhas e logo sentiu o mesmo efeito revigorante. Entusiasmado com a descoberta, ele correu para contar à sua esposa, que o aconselhou a levar aqueles frutos “mágicos” ao mosteiro local, para que os monges pudessem avaliar o achado.

No entanto, sua recepção não foi das mais calorosas. Os monges, desconfiados, chamaram os frutos de “obra do diabo” e atiraram-nos ao fogo. Mas foi justamente aí que o destino do café mudou: o aroma irresistível dos grãos torrando no fogo rapidamente preencheu o ambiente, despertando a atenção dos religiosos. Arrependidos, eles recolheram os grãos, esmagaram as brasas e os mergulharam em água quente para preservar aquele perfume tentador. Assim, segundo a lenda, nasceu a primeira infusão de café.

Logo, os monges perceberam que aquela bebida escura e aromática não só era deliciosa, mas também ajudava a manter o vigor e a concentração durante longas noites de oração e meditação. A partir de então, o café teria se tornado parte essencial dos rituais monásticos, espalhando-se gradualmente pela região.

Embora essa história só tenha sido registrada oficialmente em 1671 — e seja considerada apócrifa por muitos historiadores — ela simboliza o profundo vínculo entre o povo etíope e o café. Afinal, é difícil separar a realidade da tradição em um país onde o café é parte da identidade cultural.

Antes da bebida, o café era... mastigado!

Apesar do romantismo da lenda, é provável que o consumo inicial do café não tenha sido como bebida. Pesquisas indicam que, muito antes da infusão ser criada, os grãos eram mastigados como fonte de energia. Algumas tribos da Etiópia e do Sudão costumavam moer as cerejas de café e misturá-las com ghee (manteiga clarificada) ou gordura animal, formando pequenas bolas energéticas — uma espécie de “snack” nutritivo para longas jornadas.

Esse costume ancestral lembra, curiosamente, práticas modernas como o famoso Bulletproof Coffee. Em algumas regiões de Kaffa e Sidamo, a tradição de adicionar manteiga ao café persiste até hoje, reforçando o valor nutricional da bebida.

Há também relatos de que o café era preparado como um tipo de mingau, consumido por tribos indígenas no século X. Com o tempo, a prática de transformar o grão em bebida foi se popularizando, até conquistar o mundo.

O café, os escravos e a expansão cultural

Alguns historiadores acreditam que o hábito de mascar grãos de café foi levado de Kaffa para Harrar e para a Península Arábica por escravos sudaneses, que utilizavam o café como aliado para resistir às duras rotas de comércio. Esse movimento pode ter sido crucial para a disseminação inicial do café fora da Etiópia.

Lenda ou verdade?

Embora a história de Kaldi e suas cabras dançantes tenha um toque folclórico, ela captura a essência da descoberta do café: uma mistura de curiosidade, cultura e conexão com a natureza. E, mesmo que não saibamos exatamente como tudo começou, a Etiópia segue sendo reconhecida como o berço do café arábica — e isso, por si só, já é motivo suficiente para honrar essa narrativa.

na Etiópia, torram café em recipientes largos de barro, deixando-o bem torrado, saindo fumaça

Café e política: os desafios por trás da xícara

Por trás dessa bebida tão especial, existe uma realidade complexa que envolve questões sociais, econômicas e políticas profundas.

A Etiópia enfrenta há décadas conflitos étnicos e disputas por terras. Um dos momentos que trouxe essa situação à tona mundialmente foi durante as Olimpíadas do Rio, em 2016, quando o atleta etíope Feyisa Lilesa cruzou a linha de chegada com os braços cruzados sobre a cabeça — um gesto de protesto contra a repressão ao seu povo. Esse ato simbólico chamou atenção para a desapropriação de terras e para os desafios enfrentados por milhares de agricultores, muitos deles envolvidos diretamente na produção de café.

o atleta etíope Feyisa Lilesa cruza a linha de chegada da maratona com os braços cruzados sobre a cabeça

Economicamente, o café é vital para a Etiópia. Ele representa cerca de 60% das receitas de exportação do país, sustentando milhões de famílias que dependem do cultivo artesanal e tradicional. Contudo, apesar da reputação dos cafés etíopes alcançar valores elevados no mercado internacional, apenas uma pequena fração desse lucro — algo entre 5% e 10% — retorna de fato para o país de origem. O restante fica nas mãos de intermediários e grandes distribuidores.

Enquanto em países desenvolvidos uma xícara de cappuccino pode custar US$ 4, muitos cafeicultores etíopes vivem com menos de um dólar por dia. Essa desigualdade impulsionou o governo da Etiópia a buscar estratégias para proteger seus cafés, como o registro das marcas de origem. Um exemplo famoso foi o embate com a Starbucks, no início dos anos 2000, sobre a propriedade intelectual dos nomes das regiões produtoras. O acordo firmado em 2007 buscava garantir que parte do valor agregado pelos cafés premium ficasse no país — uma discussão que, ainda hoje, levanta debates sobre justiça comercial.

O movimento Fairtrade (Comércio Justo) surgiu como uma tentativa de equilibrar essa balança, oferecendo melhores condições aos produtores. No entanto, essa solução também é alvo de críticas, já que não altera profundamente as estruturas globais que mantêm essas desigualdades.

Essas questões nos convidam a refletir: até que ponto conhecemos a história por trás do café que chega à nossa mesa?

Se você quiser se aprofundar mais nesse universo, vale assistir ao vídeo “There is Only Coffee”, um tributo emocionante aos mestres cafeeiros da Etiópia. Ele revela o trabalho árduo das pequenas fazendas e o papel essencial da cooperação para manter viva essa tradição.

Além disso, o livro “Coffee Story: Ethiopia”, de Maika Burhardt, oferece uma visão rica e sensível sobre a relação dos etíopes com o café — uma verdadeira imersão nas raízes dessa cultura milenar.

mulheres etíopes produzindo grãos de café

A Etiópia não é apenas o lugar onde o café nasceu — é onde ele vive, pulsa e conecta pessoas há séculos. Cada xícara de café etíope carrega uma história de tradição, cultura e resistência.

E você? Já conhecia toda essa riqueza por trás do café etíope? Comente aqui o que mais te surpreendeu ou qual café do mundo você gostaria de ver na nossa série Café pelo Mundo!

Ah, e se quiser continuar essa viagem pelos sabores, explore nossos outros artigos da série e descubra como o café transforma culturas ao redor do planeta!

(Blogpost escrito em parceria com a jornalista Carol Lemos.)

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Respostas de 8

  1. O mundo dos cafés é realmente fantástico! O mais interessantel é que um dia antes de receber este post, um amigo fez um breve comentário sobre Kaffa! Não acredito no acaso e sim na sintonia que o café nos proporciona!!!

  2. Provei na Fialadélfia o Etiophia ardi e achei muito ruím ,até o cheiro do café é muito diferente.Muito amargo p mim.Mas depois dessa reportagem fiquei muito curiosa p conhecer mais do café da Etiópia!Amei a matéria!!

  3. Comprei um café da Etiópia e resolvi pesquisar um pouco mais sobre suas origens e características. Não esperava encontrar um site que abordasse o tema de forma tão interessante e profunda. Parabéns pessoal!!!

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