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Café pelo mundo: Japão

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Quando se fala em Japão, é quase inevitável pensar primeiro no chá-verde, nos rituais milenares e na delicadeza dos gestos. Mas o que pouca gente imagina é que o país do sol nascente é também um dos grandes apreciadores de café no mundo — e mais: um dos berços dos métodos mais icônicos de preparo que dominam cafeterias ao redor do planeta.

Prepare sua xícara e venha descobrir a surpreendente e sofisticada relação do Japão com o café.

Como o café chegou ao Japão?

Mesmo com a forte tradição no consumo de chá, o café foi conquistando seu espaço no Japão desde o final do século XVIII, quando os barcos holandeses atracaram no porto de Dejima, em Nagasaki. Era o Período Edo — época de isolamento cultural e política conhecida por sakoku, em que o contato com o exterior era estritamente controlado.

Nesse contexto, o café começou como uma bebida estrangeira, consumida apenas por holandeses e oferecida a governantes e tradutores. Curiosamente, também era utilizado como estimulante por prostitutas da região de Nagasaki e, em alguns casos, como remédio, principalmente próximo a assentamentos estrangeiros.

Foi só no Período Meiji (1868–1912), com a abertura do Japão às influências ocidentais, que o café começou a ser popularizado.

O termo para café em japonês pelo katakana (escrita utilizada para palavras estrangeiras) é “kouhii” (コ ー ヒ ー), originária da palavra holandesa “koffie”. Mas, como a bebida foi entrando na cultura, ela também ganhou sua versão kanji (escrita para a própria forma japonesa): 珈 琲.

Monte Fuji coberto de neve bem ao fundo da foto e no primeiro plano, flores de cerejeira típicas do país
Monte Fuji, Japão.

A primeira cafeteria japonesa

Em 1888, surge a Kahiichakan, em Ueno, Tóquio — considerada a primeira casa de café do Japão. Fundada por Tei Ei-kei (Nishimura Tsurukichi), a cafeteria foi inspirada nos cafés nova-iorquinos e londrinos que ele conheceu durante seus estudos. O ambiente descontraído e intelectual atraiu homens para encontros e discussões. Atualmente, no local onde um dia foi a casa de café, existe uma estátua em homenagem a Nishimura.

A influência brasileira

Em 2023, o Brasil exportou mais de 2 milhões de sacas de café para o Japão, segundo dados da Organização Internacional do Café, OIC. Ainda lideramos como o maior exportador tanto de grãos verdes quanto de café solúvel para lá.

Porém, a relação entre Brasil, Japão e café vai muito além da exportação. O Japão estava passando por um intenso projeto de modernização durante a Era Meiji, que fez com que milhares de camponeses perdessem suas terras e fossem para as grandes cidades procurar empregos. A super população e a fome fez com que o governo, a partir de 1880, iniciasse uma campanha de emigração da população por meio de acordo com diversos países.

Enquanto isso, no Brasil, com a expansão das plantações de café, a “abolição” da escravatura, faltava mão de obra na zona rural paulista no final do século XIX e no início do século XX.

Em 1906, Ryu Mizuno, presidente da Kokoku Shokumin Kaisha (Companhia Imperial de Emigração) visitou o Brasil e trabalhou experimentalmente na Fazenda Tibiriçá. Em novembro de 1907, firmou um acordo com o Estado de São Paulo para trazer 3.000 imigrantes japoneses para trabalhar como agricultores nas fazendas de café.

Não foi fácil para os japoneses…

A imigração japonesa no Brasil e seu elo com o café

Conforme o acordo, os mais de 700 imigrantes japoneses que desembarcaram em 1908 vieram trabalhar nas lavouras cafeeiras do interior de São Paulo. As condições de trabalho eram análogas a de trabalho escravo, não havia dormitórios nem alimentos suficientes. Em pouco tempo, muitos japoneses tentavam sair das fazendas, sem serem permitidos pelos fazendeiros, que alegavam que tinham de cumprir o contrato de trabalho. Muitos fugiram e começaram suas próprias roças. Gravado em 2008, o documentário Os Japoneses no Vale do Ribeira e Sudoeste Paulista traz fotos e registros dessa época.

Hoje, o Brasil abriga a maior comunidade japonesa fora do Japão.

Café Paulista

No Período Taishō (1912–1926), as cafeterias se multiplicaram. Em 1911, o bairro de Ginza, em Tóquio, viu nascer três casas: Printemps, Café Lion e Café Paulista — fundado por Ryo Mizuno, o mesmo homem que organizou a primeira imigração japonesa para o Brasil, em 1908, no navio Kasato Maru.

Mizuno recebeu do governo brasileiro sacas de café para divulgar o produto no Japão. Com essa vantagem competitiva, que haveria durado pelo menos uma década, abriu diversas filiais da Café Paulista e ajudou a sedimentar o hábito do café no país. A cafeteria foi reaberta em 1969, após ser destruída por um terremoto em 1923, e ainda hoje funciona em Ginza. Dizem que John Lennon e Yoko Ono eram frequentadores assíduos do local.

As tradicionais kissaten

Após a Segunda Guerra Mundial, o café se tornou ainda mais presente no cotidiano japonês. As tradicionais casas de chá — chamadas kissaten — começaram a incluir o café em seus cardápios, sempre com foco em qualidade e perfeição.

cafeteria kissaten típica, ambiente intimista, prateleiras de madeira ao fundo da área dos baristas repleta de xícaras japonesas, um homem e uma mulher preparando café e outro sentado em banqueta aguardando o café

As kissaten dominaram o cenário do café por décadas e eram responsáveis por servir cerca de 90% do café consumido no país! Algumas eram voltadas para entretenimento (como as que originaram as famosas kissaten com temática de mangá), outras se tornaram verdadeiros laboratórios para aperfeiçoar métodos de extração.

Embora o número de kissaten tenha diminuído com o avanço das grandes redes como a Starbucks, elas ainda resistem — e continuam sendo um ótimo lugar para encontrar o melhor café artesanal do Japão.

O Japão e os métodos que mudaram o mundo do café

Foi nesse ambiente de atenção aos detalhes que surgiram os equipamentos japoneses que revolucionaram o preparo do café em todo o mundo. As empresas Coffee Siphon Co.,  Hario e Kalita foram protagonistas dessa revolução.

  • Sifão e Nel Drip: Em 1925, o Coffee Siphon Co. lançou o primeiro sifão no Japão. O método japonês popular de gotejamento “Nel drip” também foi usado nas kissatens para mostrar sua forma artesanal de preparar café. E, em 1973, a mesma empresa criou o Kono, que juntou o “Nel Drip” com a eficiência dos filtros de papel. São métodos artesanais e visualmente encantadores que refletem a estética e a filosofia japonesa: simplicidade, funcionalidade e refinamento.
  • Kalita Wave: Conhecido por seu fundo plano com três furos, oferece extração uniforme e consistente. Você pode aprofundar-se neste método de preparo lendo este blogpost.
  • Hario V60: Conquistou o mundo com seu design em espiral e único orifício, permitindo uma extração precisa e personalizada. Inclusive, temos um vídeo especial no nosso canal do YouTube ensinando a fazer o melhor café com esse método tão amado:

A terceira onda do café no Japão

Com o tempo, os japoneses mergulharam na cultura dos cafés especiais. Hoje, o país vive sua própria Terceira Onda do Café, marcada pela valorização da origem, qualidade e métodos de preparo.

Um exemplo marcante foi a chegada da loja sediada na Califórnia Blue Bottle Coffee ao Japão, em 2015. A inauguração em Kiyosumi-Shirakawa, Tóquio, gerou filas de duas horas, com pessoas ansiosas por experimentar cafés especiais preparados com atenção a cada detalhe.

Café é cultura

O café inspira também a arte japonesa. A artista Arai Yoko, por exemplo, é conhecida por suas canções dedicadas ao café — algumas compostas para o Tokyo Coffee Festival.

Para quem quer se aprofundar na história do café no Japão, o livro “Coffee Life in Japan”, da antropóloga Merry White (2012), é uma leitura recomendada. Ele reúne 130 anos de histórias e curiosidades sobre como o café se entrelaçou com a vida dos japoneses.

E se você for visitar o Japão, aqui vai uma dica: anote no seu roteiro cinco das casas mais antigas de café para visitar.

xícara de porcelana típica japonesa com detalhes em ouro e desenhos de frutas na parte interior

O Japão não apenas adotou o café — ele o reinventou com delicadeza e precisão. De uma bebida exótica trazida por holandeses, passou a ser parte da cultura urbana, da vida cotidiana e do coração de muitos japoneses.

Afinal, não é só o chá que tem espaço na xícara nipônica. Há também muito café — preparado com calma, servido com arte e saboreado como ritual.

Conta pra gente: já provou café preparado em método japonês? Deixe seu comentário e explore os outros artigos da série Café pelo Mundo!

(Blogpost escrito em parceria com a jornalista Carol Lemos.)

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Respostas de 2

  1. Formidável! Café é cultura. Parabéns pelo documentário sobre o assunto Café!

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